Paella de María

18/11/2010

Eu tento evitar, mas a culinária me persegue como tema para o blog.

Hoje é a vez da famosérrima PAELLA.

Seria uma vergonha ter morado um ano na Espanha e não ter aprendido como se faz.

Fui a uma fonte extremamente confiável para que me ensinasse: María, nossa vizinha.

Ela, fofa, foi didática e me mostrou todos os detalhes.

Como sou legal (e quero manter meus amigos), divido aqui os segredos.

Tudo começa pela compra dos ingredientes: melhor se forem frescos.

Bora para o mercado em busca de enormes camarões, lulas, mariscos.

Foi praticamente um assalto. Muitos euros o quilo.

Mas tive vergonha de dizer para a tia que eu queria uma paella modesta.

Tudo bem. Se é para aprender, que seja direito.

Quando ela perguntou se eu queria também colocar coelho, cogitei o arrependimento.

Com jogo de cintura invejável, disse que preferia uma paella só de pescados. Típica.

Confesso que, meio em choque, não coloquei a mão na massa.

Dei uma de aluna-ouvinte. No máximo, fotógrafa.

Bom demais para a primeira experiência «fresca» com frutos do mar.

É um tal de corta lula pra cá, limpa mexilhão pra lá.

Mil segredos.

O camarão, por exemplo, só leva sal e fica ali descansando.

Os grandes são «enfeite». Compramos 3 por pessoa.

A sépia (lula), tem que ser bem lavada e depois cortada em tecos. Mas não toda. Tem uma parte do corpo meio nojenta onde fica a tinta que vai para a panela inteira, até soltar o líquido. Só depois é picotada. Mas, calma, chegaremos lá.

A quantidade? Uma lula inteira, tamanho M.

Também poderíamos ter usado uns 500 gramas de camarões pequenos.

Fritamos os camarões em bastante azeite. Reservamos.

No mesmo azeite, douramos uma cebola e quatro dentes de alho em pedacinhos.

Acrescentamos um tomate sem pele cortado em tecos pequenos. Bem de qualquer jeito.

E já podemos juntar a lula, mexendo até a parte nojenta soltar todo o líquido bege escuro.

Nesse momento, podemos cortá-la em pedaços também e continuar fritando.

Lenta e pacientemente.

Em paralelo, lidamos com os mexilhões (300 gr). Precisam ser limpos (raspamos com uma faquinha e tiramos os fiapos que vem grudados, diretamente do fundo do mar).

Processo não muito bonito, mas necessário.

Depois, colocamos numa panela tampada (sem água!) e deixamos ferver.

Sim, eles mesmos soltarão água e, quando uma espuma aparecer, podemos apagar o fogo.

É quase um susto que se dá neles, só para que as conchas se abram.

Descartamos a parte de cima das conchas e deixamos as metadinhas separadas.

Truque importante: pegar essa água que os mexilhões soltam, coar, e jogar na panela.

Vai dar um gostinho todo especial para a paella – explica María.

Quando percebemos que o fritadão tá nesse ponto da foto abaixo, acrescentamos mais ou menos um litro de caldo de peixe. (Detalhe: o processo de preparação desse caldo é um tanto quanto medonho – envolve cozinhar cabeças de peixe – e, graças a Deus, María nos poupou da tortura e já o trouxe pronto).

A próxima fase é acrescentar o arroz (daqueles gordinhos, próprios para paella).

Dois punhados por pessoa.

Essas quantidades que comentamos servem quatro pessoas não muito famintas.

Aí é só administrar o ponto do arroz.

Não pode ficar molenga. Não pode secar.

Se precisar, é só ir colocando mais caldo.

Quando estiver já quase pronto, acrescentamos os camarões e os mexilhões.

Deixamos descansar poucos minutinhos (só o tempo de abrir o vinho branco).

E, felizes da vida, saboreamos a típica paella da María.

Menção honrosa para Igor e Isabel, que esconderam a lula dentro das conchas vazias de mexilhão e fingiram comer tudo direitinho.

Eu, amante de frutos do mar, a-do-rei.

Apresento-vos uma personagem que começará a fazer parte desta história: D. María.

Lembra que eu disse que demos um pedaço de bolo de maçã para a vizinha?

A própria.

A tiazinha é uma senhora provavelmente viúva, possivelmente catalã, e certamente única.

(«Possivelmente» catalã porque é muito mais simpática que a média da região, então desconfiamos que pode ter nascido em algum lugar mais legal da Espanha).

Mas o fato é que a figura é engraçada.

Hoje veio devolver o pratinho e pediu para entrar, toda fofa.

Trazia para nós um papel com todos os trens e metrôs de Barcelona e nos indicou passeios de bate-e-volta imperdíveis. Fez a gente anotar tudo: estação por estação; praia por praia.

Falava e riiiiia.

Perguntou se gostávamos de comidas diferentes.

Isabel – a que passa mal só de olhar para frutos do mar «estranhos» – quis ser educada e falou que amamos provar coisas exóticas.

Eu queria rolar de rir no chão quando a tia começou a descrever uma comida deliciosa que tínhamos que conhecer:

«Sabe a cabeça da vaca? Tem uma parte ali que se cozinha, que tem uma gelatina super nutritiva. Comemos junto com… como eu posso explicar…? Sabe a tripa da vaca? Mas não o intestino… É como se fosse a parte que sai leite, mas por dentro. É como uma tripa… Enfim, vocês precisam ver. É estupendo!».

Ah! Tem também o pulpo a gallega. Você compra o polvo fresco, mas não faz no dia, não. Congela. Tem que ficar no congelador por uns 3 dias no mínimo. Depois você cozinha, tempera, e na água do próprio polvo você ferve as batatas para acompanhar. Hum… Rico!

Quando vi a cara de ânsia da Bel, tentei sair pela direita: «Na verdade, gostamos mesmo é de paella. Aliás, eu adoraria aprender a fazer. A senhora sabe como é?».

Claro que eu sei! Posso fazer um dia para vocês verem! Aliás, melhor que paella é fideuá. É a mesma coisa, mas com um macarrão bem fininho… Você pega uma cabeça de merluza e faz um caldo bem bom…

Quando ela falou «cabeça de merluza» eu quase dei uma cambalhota de rir.

E aí parei de prestar atenção.

Sei que no fim das contas, trocamos um pedaço de bolo por um fideuá.

Será qualquer dia desses e, se a tia prometeu, eu acredito.

Com certeza vou amar a comida.

E, mais ainda, ver a cara da Bel e do Igor.

HAHAHAHAHAHAHAHA.